O setor social é fundamental para o combate à pobreza e exclusão em Portugal. Com 19,4% dos portugueses considerados pobres, este setor, que reúne quase 74 mil entidades e emprega cerca de 244 mil pessoas (dados de 2020) é uma grande estrutura invisível de apoio ao Estado na resposta social.
Com “novos pobres” a surgirem em Portugal, em resultado da crise causada pela inflação e subida dos juros do crédito à habitação, a resposta social está também a mudar, fruto da inovação e empreendedorismo no setor. Na mesma linha, as medidas de apoio do Estado social (subsídios de doença e incapacidade, desemprego e inclusão social, pensões, entre outros) são também fundamentais: sem elas, 43,5% dos portugueses estariam em risco de pobreza em 2021.
Se nos últimos anos, a pobreza até apresentava uma curva descendente em Portugal – com a exceção aos períodos da crise financeira e da pandemia – o ano passado verificou-se um agravamento da vulnerabilidade financeira das famílias, segundo uma análise do Professor Carlos Farinha Rodrigues para a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
“Em 2022, dois milhões de pessoas (19,4% da população) encontravam-se em situação de pobreza ou de exclusão social em Portugal”, assinalou. Neste contexto, assume um papel cada vez mais importante um setor social dinâmico que integra cooperativas, associações, misericórdias, fundações, outras instituições particulares de solidariedade social, e mesmo empresas, no que se convencionou chamar economia social.
São precisas cinco gerações para que um indivíduo que venha dos 10% de famílias mais pobres atinja o rendimento médio do país.
Economia social é 5,9% do emprego
Das 244 mil pessoas que trabalham no setor social, 81 mil estão na área da saúde e 73 mil nos serviços sociais. De acordo com estes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2020, a economia social representava já 5,9% do emprego e 3,2% do valor acrescentado bruto da economia. A grande “explosão” deste setor deu-se nos anos 70 do século passado, a seguir ao 25 de Abril, refere Nathalie Ballan, que há 30 anos fundou a Sair da Casca, a primeira consultora em Portugal nas áreas da sustentabilidade e da inovação social.
Nessa altura, a sociedade civil organizou-se e mobilizou-se para dar as respostas sociais que nem o Estado nem o mercado conseguiam dar. “Nesses anos, este setor caracterizou-se por uma grande inovação, por ir buscar as melhores práticas internacionais, por exemplo, na área da deficiência, que tem um setor social muito inovador e competente”, assinalou.
Já nesta altura, e durante as décadas seguintes, o setor social caracterizava-se pela sua “invisibilidade”. “Só conhecia o setor quem beneficiava dos seus serviços”, afirma Nathalie Ballan. “E no entanto, se falar com as pessoas que conhece, encontra sempre alguém que tem o filho numa escola de música ou de futebol, os pais num lar, filhos com deficiência que recebem apoio especial. Ou seja, é um setor que toca muito a vida privada de cada um, mas ao qual a sociedade nunca deu muita visibilidade.”
O setor social está em franca renovação para corresponder a desafios sociais que também estão em mudança.
Uma situação que se alterou bastante com a pandemia, “quando a determinada altura existe a ameaça de fecho destas entidades e as pessoas se apercebem mais da sua importância”, refere a responsável. “Felizmente, nessa ocasião, as instituições deram prova de uma grande resiliência”.
Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto
Setor está “em cada esquina”
O setor social em Portugal, para além de uma enorme diversidade, tem um grande grau de proximidade com a sociedade. “Em Portugal este é um setor muito capilar, em que em cada esquina temos uma escola, um centro de dia, um atelier”, refere Nathalie Ballan. O que, sendo positivo, por outro lado, “torna difícil ter ganhos de eficiência e obter reduções de custos”. Acresce que este é um setor que, pela sua natureza, tem uma grande dificuldade de acesso ao crédito. De acordo com dados da iniciativa governamental Portugal Inovação Social 2030, as necessidades anuais de financiamento deste setor situam-se entre os 390 e os 1.060 milhões de euros. “E se um conjunto importante de organizações, nomeadamente as IPSS, têm acordos com o Estado e são subsidiadas para prestar serviços e providenciar respostas sociais, muitas das entidades da economia social são muito dependentes da filantropia e de donativos das empresas”, constata a fundadora da consultora Sair da Casca.
Nova abordagem empresarial
O setor social sempre contou com a tradição de filantropia das empresas mas estas passaram a ter uma abordagem de gestão à forma como contribuem há mais de uma década. “Hoje em dia, pelo menos, as maiores empresas do país têm uma reflexão feita, senão mesmo uma estratégia, para a sua relação com a economia social, com áreas de atuação definidas, causas identificadas, critérios definidos, e um acompanhamento e monitorização da relação com este setor”, afirma Nathalie Ballan. Esta nova abordagem, mais estratégica, em que a empresa traz as suas competências, envolve os seus colaboradores e a sua rede de fornecedores, é mais consequente e mais capaz de ter um impacto maior e mais duradouro nas respostas sociais.
Nathalie Bolan, fundadora da consultora Sair da Casca
Um estudo da Dun & Bradstreet contabilizava 168,3 milhões de euros de donativos feitos por 45 mil empresas em 2021. O maior envolvimento das empresas com o setor social é, na opinião de Nathalie Ballan, um fator positivo: “Trazem uma perspetiva diferente e que permite criar parcerias muito fortes. E, em algumas áreas, podem ajudar à capacitação do setor, embora o setor social tenha tido uma enorme evolução na profissionalização da gestão nos últimos dez anos.”
O caminho da inovação social
Esta é também a perspetiva de Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto, uma instituição que, na dependência da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, se tem dedicado à causa do empreendedorismo e da inovação social. Para esta responsável, “o setor social está em franca renovação para corresponder a desafios sociais que também estão em mudança. Há uma nova geração que vê no empreendedorismo e na inovação social um caminho para dar respostas mais efetivas aos desafios sociais.”
Este é um novo ecossistema que está em crescimento e a renovar o setor social tradicional através de iniciativas como o Portugal Inovação 2030, que financia muitos dos projetos de economia social com uma componente de inovação. Para Inês Sequeira, “a inovação está sobretudo nas metodologias, os públicos são os mesmos do setor social tradicional. Existe também uma preocupação maior com a sustentabilidade económica e a autonomia financeira dos projetos.”
Outra preocupação “é a avaliação e o impacto dos projetos, considerada crítica, não só para perceber se os projetos estão a ir na direção certa e a criar valor para a sociedade, como para obter financiamentos para novos projetos”.
Para ambas as responsáveis, o caminho do futuro para o setor social passa também pela profissionalização, pela criação de carreiras, pelo desenvolvimento de centros de competência, e pela criação de um estatuto de empresa social. Esta inovação, já prevista na legislação, ajudaria a canalizar para este setor mais investimento, com um retorno que permitiria, pelo menos, reinvestir nos projetos e mesmo remunerar os investidores.
Nascer pobre é uma fatalidade?
Melhoria na mobilidade social associada ao investimento na educação
O projeto “Portugal, Balanço Social 2023”, coordenado pela Professora Susana Peralta, da Universidade Nova SBE, traça um retrato socioeconómico das famílias portuguesas, com ênfase nas situações de privação e pobreza e no acesso às respostas sociais existentes em Portugal. Foi neste âmbito que, em outubro, foi publicada uma análise da evolução da mobilidade social em Portugal com o título “Nascer pobre é uma fatalidade?”.
Cinco gerações
Neste tema, do chamado “elevador social”, o número que é mais frequentemente citado, segundo Susana Peralta, “vem de um bom estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), que calcula que, em Portugal, são precisas cinco gerações para que um indivíduo que venha dos 10% de famílias mais pobres atinja o rendimento médio do país”. Infelizmente, o estudo da Nova SBE, que compara a mobilidade social das gerações nascidas nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado sugere que esta não está a melhorar de forma substancial.
Para Susana Peralta, “essa nota mostra que temos grandes desafios do ponto de vista da mobilidade social, que persiste ao longo das gerações, embora se note alguma melhoria ligada aos melhores níveis de educação da população”. O que mostra “que o investimento consequente do Estado numa área específica como, por exemplo, a educação, traz os seus frutos em termos de melhoria da situação das gerações mais recentes”.
Educação combate pobreza
A investigadora valoriza, como instrumentos para quebrar o ciclo da pobreza, o investimento no pré-escolar, a gratuitidade das creches, e a discriminação positiva das escolas em territórios educativos com necessidades especiais, para dar alguns exemplos. Na verdade, sublinha Susana Peralta, os dados existentes mostram que Portugal tem feito um caminho positivo na diminuição da pobreza, mas continua a comparar mal, nos indicadores de desigualdade, com os outros países da União Europeia.
Para mais informações, visite premio.fidelidadecomunidade.pt.